Com debates voltados ao futuro da profissão, o Conselho Regional de Psicologia de Sergipe – CRP19 – realizou mais uma edição do Congresso Sergipano de Psicologia. O evento aconteceu na modalidade híbrida, no auditório do Centro Universitário Uninassau e transmitido, ao vivo, pelo YouTube, Facebook e Instagram do CRP19, de forma inclusiva para a comunidade surda.
Durante três dias, a quarta edição do encontro discutiu temáticas como “Ser psicóloga (o) em tempos de polarizações”, “Realidade digital e novos territórios”, “Fronteiras entre psicologia e religião”, entre outras.
O encerramento foi realizado na última sexta-feira, 24, com debates voltados aos “Diálogos com feminino” – com enfoques sobre ‘Sexualidade e feminino’, ‘Puerpério e maternidade longe do paraíso’ e ‘Vivências TransFemininas e as questões das violências’- e ‘Botando cor na Psicologia’.
Na primeira conferência, Jayane Pinheiro Trindade (CRP19/2010) abordou a temática ‘Sexualidade e Feminino”.
“Ao falar sobre sexualidade feminino, fiquei pensando na imensidão e nas questões que podemos falar a respeito dessas temáticas. Diante disso, escolhi trazer em minha fala uma proposta mais vivencial e com falas provocativas. Costumo sempre dizer que estamos aqui para poder gerar inquietude”, comenta.
“A sexualidade é fator determinante para a saúde humana, sendo incluída pela própria Organização Mundial da Saúde como um dos aspectos fundamentais para a qualidade de vida. É um aspecto extremamente importante e a gente vê que cotidianamente, historicamente, socialmente, ser reprimida. A sexualidade é um fenômeno social histórico e é construída dentro das nossas relações, dos nossos discursos e de um de um quadro de crenças, valores de determinado tempo, de uma determinada época”, acrescenta.
A segunda convidada da noite, a psicóloga Fernanda Reis de Carvalho (CRP 19/1071) falou sobre o tema ‘Puerpério e maternidade longe do paraíso’.
“Quando eu recebi esse tema, a primeira coisa que questionei foi de que paraíso estaríamos falando? E, mais ainda, será que o paraíso de onde falo é o mesmo paraíso de onde outra mãe fala? Que ideia é essa de paraíso e qual o significado de paraíso para cada mãe? É importante a gente problematizar e refletir sobre essas questões porque tem uma infinidade de modos de ser mãe”, salienta.
“O puerpério era visto antigamente como aquele momento após o parto e, hoje, a gente pensa de uma forma muito mais ampliada porque o puerpério não diz respeito apenas às mudanças físicas que ocorrem, mas às mudanças psíquicas que ocorrem nesse período. Atualmente, já conseguimos, sim, ampliar esse olhar para o puerpério pois já existem grandes possibilidades de compartilhar, ainda que muitas vezes de forma mais reservada, esses sentimentos, essas emoções ambivalentes desse processo. O puerpério provoca um grande movimento de transformação interna, pessoal e coletiva também”, complementa.
Finalizando a primeira mesa-redonda da noite, Maluh Andrade, Presidenta da AmoSerTrans – Associação e Movimento Sergipano de Travesti e Transexuais – falou sobre as ‘Vivências TransFemininas e as questões das violências’.
“É uma temática delicada e ao mesmo tempo adoecedora para nós, enquanto travestis e transexuais que convivem com essa violência. A gente acorda e dorme consumindo o que está acontecendo com irmã que está ao lado ou com a irmã que mora em outro estado. Onde fica a saúde mental com as nossas vivências?”, enfatiza.
Na segunda mesa-redonda da noite, o debate girou em torno da temática ‘Botando cor na psicologia’ com as psicólogas Nadma Thauara Gomes de Oliveira Santos (CRP19/3913) e Terezinha Mariana Santos Oliveira (CRP19/IP4182).
“Pensando sobre essa temática e sobre o tema central deste congresso, entendo que a gente precisa retornar um pouquinho e pensar sobre a Constituição do Brasil e a formação do profissional em Psicologia. A Constituição do Brasil se deu através da colonização europeia, que foi caracterizada pela subalternização de padrões que fugiam de um padrão europeu, especificamente de africanos e indígenas. A partir desses apontamentos, podemos pensar que o racismo está presente em moldes políticos, econômicos, sociais, culturais e vários outros elementos que fazem parte da construção do Brasil”, destaca Nadma Thauara.
“A partir desses apontamentos, podemos pensar também que a psicologia começa a tomar forma e que não houve diálogo com outras culturas para essa formação. Podemos pensar que o saber predominante foi um saber europeu e a partir dele pensou em uma prática de ciência na psicologia sem imaginar que essas práticas essas abordagens seriam colocadas em prática em um país onde 54% da população é negra. Quando o psicólogo está oferecendo esse serviço de escuta, essa escuta implica em ouvir os sintomas que o adoece. Entrar em contato com os sintomas que o adoece é perceber o mundo que produz esse adoecimento”, expõe.
“Eu acredito que esse espaço de estudar outros conhecimentos que não somente da psicologia pode contribuir para diminuir os impactos psicossociais do racismo e da violência de gênero. Não somos todos iguais, estamos em locais sociais diferentes e os fatores sociais e opressões como um todo vão influenciar na nossa construção de identidade na nossa subjetivação. O título que traz esse evento é que nós, enquanto profissionais, possamos fazer uma defesa revolucionária do humano onde quer que ele se encontre para que assim, quem sabe, diminuam esses relatos frequentes de pessoas que vão atrás desse cuidado de acolhimento e chegam lá e encontram mais violências do que aquelas que já passam todo dia”, observa Terezinha Mariana.
O Conselheiro Secretário André Luiz Mandarino Borges, coordenador do evento, encerrou o congresso pontuando acerca da formação genérica da psicologia. “Essa formação esconde uma lógica colonizadora, uma lógica de domínio, uma lógica de poder em diversas esferas como o poder do econômico, de um patriarcado, do branco colonizador. Novos e diferentes olhares são necessários e deveriam ser inerentes à psicologia porque a diversidade é a marca do humano”, finaliza.
Assista em: https://www.youtube.com/watch?v=M8G4LMgzTM8